Meta, sentido e caminhada.

Mais uma manhã nascia preguiçosa. Laura foi até a janela com um copo de água nas mãos. Sempre bebia água ao despertar. Não porque diziam que era bom. Nunca foi por isso. Bebia porque sentia sede, vontade, necessidade. Gostava de água. Muito. Saboreava gole por gole passando por sua garganta, como se fosse um vinho da melhor safra. Nesse aspecto nada mudou. A água mantinha a importância na sua vida. Mas a paisagem de todos os dias da mesma janela parecia sem brilho, sem cor, sem futuro…

Para onde iam todas aquelas pessoas passando na calçada? Umas iam, outras vinham, indiferentes umas as outras. Qual o sentido desse ir e vir? Suprir necessidades físicas? Manter a rotina? Rotina? O que é a rotina? Para que serve? Laura sorvia mais um gole de água lentamente, enquanto sua mente se questionava freneticamente. Havia um abismo entre pensamento e atitude. Um era veloz. A outra era lenta, sem energia. Por quê?

Por mais que tentasse, Laura não chegava à conclusão alguma. Mais um dia. Menos um dia. Mais um dia com destino à meta. Que meta? Menos um dia no círculo da sua vida terrena. O tempo, implacável, parecia apressado em fazê-la trilhar o caminho até a linha de chegada, a meta. Meta… Fechar os olhos e entregar o corpo físico à terra. Quando seria? Laura não tinha a menor ideia. Ninguém tinha.

Enquanto sua cabeça insistia em fazer questionamentos, Laura se deixava levar pela rotina de mais um dia de trabalho e confinamento. O mundo estava enfrentando um vírus desconhecido. Um abismo se mostrava mais forte no mundo, entre os que podiam ficar em isolamento com acesso à tecnologia e os demais, a maioria, sem o mínimo para seguir em frente, rumo à meta. Que meta? Fechar os olhos e entregar o corpo físico à terra.

Com pensamento acelerado, peito oprimido, Laura pensava nesse abismo social, uns com tanto e outros com quase nada. Qual o sentido dessas diferenças? A meta não é a mesma para todos? Quem estabeleceu que os caminhos a serem trilhados seriam tão desiguais? E por quê? Sentiu sede. Caminhou até a cozinha e pegou mais um copo de água. Olhou o copo, enquanto engolia o primeiro gole e não encontrou respostas naquele líquido insípido, inodoro e incolor. Apenas alívio, frescor interno. Caminhou de volta ao quarto. Sentou-se em frente ao computador e começou a executar mecanicamente suas tarefas. Sem brilho, sem cor, sem vitalidade. Como o dia.

Laura pensava em sua inutilidade diante da vida que seguia seu curso. Ao mesmo tempo que queria fazer a diferença e melhorar a caminhada de alguns até alcançarem a meta, Laura seguia trabalhando por sua sobrevivência e sentindo-se impotente para transformar o que quer que fosse. Foi até a janela. As pessoas continuavam indo e vindo. Bebeu mais um gole de água. Na calçada, uma mãe com seu bebê no colo caminhava lentamente. A mulher beijou carinhosamente a cabecinha do bebê e o olhou ternamente. Laura guardou a beleza desse instante em sua mente. Por um instante sua mente desacelerou. Um breve sorriso saiu do canto de seus lábios. Não pensou nas suas dúvidas ou na busca de sentido para tudo. Pensou apenas na caminhada rumo à meta. Por um breve instante, aquele beijo fez todo o sentido.

Fátima Augusta, em 15/10/2020.

2 comentários em “Meta, sentido e caminhada.

  • quinta-feira, 15 de outubro de 2020 em 19:39
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    Eu adorei o conto. Senti a aflição sem esperança da Laura e o alívio em perceber que pelo amor ainda há motivos para seguir em frente. Percebi a aflição dela em cada letra.

  • sexta-feira, 16 de outubro de 2020 em 00:48
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    Que bom que gostou e pôde sentir os sentimentos da Laura, Denis!

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