Há um ano…

É comum ouvirmos a frase de que a vida é uma aventura, inesperada e surpreendente. Muitos afirmam ter paixão pela imprevisibilidade da vida. Mas na prática, quantos de nós estamos, de fato, dispostos a encarar o desconhecido, o medo, a insegurança de não controlar as variáveis de uma situação? Às vezes, achamos que pertencemos ao grupo aventureiro e, de repente, a vida nos surpreende e mostra que se pode passar de um grupo a outro em um piscar de olhos. Sim, talvez a tal beleza inusitada seja exatamente essa. Não pertencemos a nenhum grupo permanentemente. Para ilustrar melhor minha afirmação, preciso relembrar e descrever algumas passagens da minha vida.

Sempre tive uma saúde boa, não tenho lembrança de ter tido muitas enfermidades, nem de precisar de medicações, mas por alguma razão que desconheço, o ambiente hospitalar sempre me incomodou muito. Não exatamente por medo de morrer, mas sim por vivenciar sofrimentos sem ter poder para mitigá-los. Sempre foi extremamente incômodo para mim. Apesar disso, durante várias ocasiões em que estive em hospitais para cuidar de alguém, fiz com muita dedicação, embora ao final de tudo, me sentisse exaurida emocionalmente. Talvez porque permaneço em estado de vigília todo o tempo. É assustador para mim que um enfermo sob meus cuidados passe mal e eu não esteja acordada para acudi-lo. Mas nem todas as vezes em que se entra em um hospital o motivo é doença. Quando pari meu filho, posso afirmar que foi uma das emoções mais intensas e felizes da minha vida. Aliás, a maternidade merece um capítulo só para ela em um outro dia, quem sabe.

Cheguei aos 50 sem ter tido crises de idade e seguindo conselhos para manter-se sempre ativa e criativa. Foi quando tomei a decisão de me desafiar. Decidi sair do conforto da escrita e partir para as mídias visuais. Para quem sempre foi íntima das teclas, encarar a câmera não foi fácil. Mas fui em frente sem muitas cobranças e falando sobre assuntos que me agradavam. Decidi também voltar aos bancos escolares e escolhi um curso de pós graduação cujo assunto sempre me fascinou: jornalismo cultural. Apesar de tão atacada no último ano, a cultura tem sustentado muitas mentes nesse momento crucial por que passa a humanidade: a pandemia do Corona Vírus. Mas voltemos a 2019, quando essa pequena partícula ainda não tinha afetado a vida do planeta inteiro. Tudo parecia caminhar satisfatoriamente, o encontro de gerações na turma da pós, onde eu era a mais velha, me garantiu farto material para reflexão e, ao mesmo tempo, um convívio que me dava muito prazer, o aprendizado, as leituras, os textos produzidos, enfim um momento muito feliz em termos educacionais, profissionais e intelectuais.

Mas eis que a vida resolve me surpreender e há exatamente um ano uma cirurgia mudou o rumo do caminho que parecia traçado. Foi como se a vida me dissesse: “desta vez EU é que vou te desafiar e não você a si mesma. Você não se acha muito corajosa? Então, chegou a hora de mostrar”. Conforme as explicações do médico, a cirurgia era necessária e delicada, mas a recuperação se daria, se tudo corresse bem, em cerca de 20 dias. Mas não foi isso que aconteceu. De fato, a cirurgia em si parece ter corrido bem, mas minha recuperação foi complicadíssima. Fiz três infecções, antibióticos, anti-inflamatórios, dieta restrita, dores intensas e cicatrização lenta. Meu estômago frugal reagiu mal à avalanche de medicamentos que ele desconhecia. Perdi doze quilos em um mês e a cada consulta de revisão, a frustração ia tomando lugar em minha mente. Afinal, o que eu mais queria era que tudo isso passasse e eu pudesse voltar à minha vida e aos meus projetos. Foram três meses nessas idas e vindas medicamentosas na tentativa de “acelerar” a cicatrização. Acabei por adquirir algo totalmente estranho à minha pessoa, antes acostumada a ir ao médico e ouvir: “seus exames estão ótimos”! A descoberta, ou um prenúncio de diagnóstico se deu na segunda ida à emergência hospitalar com sintomas suspeitos de infarto: pressão ligeiramente alta, falta de ar, taquicardia… Após os exames e ficar em observação, chegaram a conclusão que eu havia desenvolvido um transtorno de ansiedade. E agora? O que fazer? Mais um problema. Mais uma variável.

O primeiro passo foi procurar um psiquiatra, conforme me orientaram. Uma amiga me indicou um, que me receitou um calmante, que me deixou muito sonolenta. Ao voltar 15 dias depois, falei que estava muito prostrada e improdutiva. Ele recomendou um novo medicamento, que não me deixava prostrada, mas me deu vários efeitos colaterais, vômitos, náuseas, crises de choro do nada, angústia e perda total do apetite. Emagreci mais um pouquinho. Voltei ao médico 15 dias depois, falei o que estava sentindo e o médico decidiu insistir com a medicação. Trinta dias se passaram e eu parecia definhar mais e mais. Até que decidi mudar de médico. Pedi orientação e lá fui eu contar a história toda novamente. Mas desta vez valeu a pena. Senti aos poucos uma melhora e, como diria o gato Garfield, “a vida infiltrava-se novamente no meu corpo”. Comecei uma terapia, que aliada ao novo medicamento estava apresentando um bom resultado.

Tudo parecia voltar aos trilhos e aí, em março deste ano de 2020, nos deparamos com o isolamento social imposto por esse vírus desconhecido e assustador. Novas variáveis, novas adaptações, novas batalhas. Enfim, a vida nos mostrando novamente o quão vulneráveis somos. Esse mundo invisível das bactérias e vírus mostrando o quanto somos frágeis. Uma coisa positiva agora é que eu não estou sozinha enfrentando um “inimigo” invisível. Agora somos todos nós desse mundo “globalizado” enfrentando a mesma ameaça. O transtorno de ansiedade, esse “inimigo” só meu, sigo enfrentando com coragem, perseverança, fé e determinação. Aprendi que passamos a vida exigindo demais de nós mesmos, queremos ser super mulheres, super mães, super profissionais, super! De repente, numa fração de segundo nos vemos diante de algo que parece roubar aquilo que nos é mais caro e que varia de pessoa para pessoa. Aprendi e sigo tentando interiorizar que a vida é uma adaptação constante e nos dá a chance de mostrar nosso potencial todos os dias. Cada vitória sobre nossos “inimigos”, interiores ou invisíveis, deve ser comemorada e, sobretudo, nunca desistir do jogo! Afinal, ele só termina quando o juiz apita.

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