Passado “trekker”?

O universo “trekker” de Jornada nas Estrelas fez parte da minha infância, adolescência e juventude. E, é claro, não poderia se ausentar na minha maturidade. Um ano após o episódio piloto da série clássica ter sido apresentado por Gene Rodenberry à emissora de TV, respirei pela primeira vez neste mundo. Cresci fascinada pelas viagens espaciais e desejava conhecer a “fronteira final” ao lado do Capitão Kirk, Spock, Doutor McCoy, Uhura, enfermeira Chapel e tantos outros. A série ficou apenas três anos no ar, mas arrebatou uma legião de fãs, tanto que cerca de duas décadas depois, uma nova franquia, A Nova Geração, conquistava mais fãs com suas sete temporadas. Seguiram-se ainda Deep Space Nine e as aventuras da nave estelar Voyager, perdida no quadrante dos temidos Borgs.

 

Com o uniforme da Frota Estelar.

 

Sobre a chamada série clássica reuni um material relativamente farto, livros, CDs, reportagens, enfim tudo o que era possível ter em mãos antes da chegada da internet como a conhecemos hoje. Com a popularização das plataformas de streaming, pude rever todas as séries que assisti no passado e apresentá-las ao meu filho adolescente. Foi esse intercâmbio de interesses e gerações que gerou as reflexões que compartilho a seguir.

Obviamente apresentei a franquia a ele através das aventuras do Capitão Kirk e Spock. Logo nos primeiros episódios ele não demonstrou muita empolgação e não conseguimos vencer a primeira temporada. “As histórias são boas, mas…”, disse ele com cuidado para não ferir os sentimentos de tão ardorosa fã. Entendi, mas não desisti. Resolvi partir para a Nova Geração. Aí sim, as aventuras do Capitão Picard, do Comandante Riker, Conselheira Troy, entre outros, cooptaram mais um fã. Assistimos juntos as sete temporadas e aí ele se animou a falar com sinceridade sobre a série clássica: “é tudo muito tosco e artificial”. A frase me pegou de surpresa e me fez refletir…

Tosco? Como? Essas questões martelaram em minha cabeça. Aos 14 anos, meu filho já nasceu desfrutando as maravilhas tecnológicas do século 21. Mas para quem nasceu na segunda metade dos anos 1960, tudo que era apresentado na série clássica era incrivelmente novo e o foi por muitos anos. Portas que se abriam automaticamente, comunicadores (ancestrais dos primeiros celulares), fax e tantas outras coisas não existiam na época. Era pura imaginação e daí vinha a mágica. A “fronteira final” abria um mundo de possibilidades.

A tecnologia avançou muito rápido nos últimos cinquenta anos, que nem nos damos conta disso às vezes. A geração do meu filho não conheceu o telex, ou o fax. Ele não imagina como foi surpreendente para mim quando vi um fax pela primeira vez. Tinha 18 anos e trabalhava em uma agência de turismo. “Uma cópia por telefone”, disse eu, fascinada. E o fax já estava lá na série clássica! As mensagens ainda eram transmitidas impressas. O Capitão Kirk ainda assinava em papel as demandas da nave, os disquetes de computador, tudo estava presente nessa “jornada” inovadora da nave estelar Enterprise. O que para minha geração não existia quando assistíamos a série, para o meu filho já era comum e por isso não despertava tanto interesse ou admiração. Apesar disso, a franquia conquistou mais um fã da nova e jovem geração, que também aguarda ansioso pela segunda temporada da mais nova série “Star Trek Picard“.

Antes restrita ao uso militar nos anos 1960, a internet se popularizou, expandiu e evoluiu ao longo dos anos. Mas em um país como o nosso querido Brasil, onde a desigualdade é enorme e muitas pessoas não possuem o básico para viver dignamente, o sonho “trekker” da união e harmonia entre diversas raças ainda não se realizou. Muito menos o acesso às maravilhas tecnológicas. Saímos da internet discada para a banda larga, mas grande parcela da nossa população ainda não pôde perceber todo esse avanço que a humanidade foi capaz de criar. Talvez, a “fronteira final” seja a conquista de um mundo sem fome, onde todos possam desfrutar das descobertas e avanços da ciência. Não precisamos esperar o século 24 para isso. Podemos começar agora mesmo. Que tal lançarmos mão dos algoritmos da empatia, solidariedade e igualdade de condições a partir de agora?

 

“Espaço, a fronteira final”.

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